Domingo, 22
de dezembro, 22h Irlanda, 2 graus.
A mala
estava pronta desde quinta. Dormi pouco pois meu bus era às 2h da matina. Dois,
dois, dois, dois: não tinha como dar nada errado. Estava há uns 5 ou 7 dias sem
dormir direito. Só pensando, planejando e escondendo de todo mundo os turbilhões
vulcânicos de sentimentos que faziam festa dentro de mim. Foi uma semana
difícil essa pré-natal (quase um filho, sim). Corre prum lado, arruma do outro,
chora ali na esquina, pega ônibus de madrugada pra Dublin, arruma mala trancada
no quarto, muda os planos sem avisar ninguém. Como se isso não fosse comum pra
mim, mas não exagera, né, florzinha? Então chego, depois de 46 horas de voos e
escalas e esperas e não banhos e check ins & outs e livros lidos e filmes
vistos e músicas ouvidas e carrega bagagem pra todo lado e comida cara e
dormidas esparsas e espumantes nas alturas e gente feia e taxista que quer me
enganar e gente no ponto de informação que não sabe dar informação e aventuras
na ilha do Doutor Manhattan (who watch
the watchmen, man?) e trova no onibusinho louco com a tia nova-iorquina
maluca que quando jovem fez a mesma coisa insana que eu mas ali no Panamá e
histórias de aeroporto e análise socioculturalpsicológica de seres humanos e
UFA! até entrar no clássico táxi branco com detalhes azuis, pedir a Teixeira e
ouvir o parceiro do ponto gritando pro meu motora depois que sentei no banco do
carona: que sorte essa hein, meu velho?!
Baita Natal! Tchê, tu não imagina como!
Terça, 24
de dezembro, 22h, Brasil, 27 graus.
Cheguei
mega clichê propaganda do Zaffari style com direito a gritos no portão, falta
de palavras e sobra de choros. Em menos de 15 minutos, alguns abraços já
fizeram valer a pena todo e cada um dos 165,600
segundos desde que saí de casa até chegar em casa. O objetivo da vida é a jornada, já dizia
algum carequinha maneiro nos idos de um dos séculos passados que nunca passou dois
dias viajando só pra passar o Natal com a família.
Hoje faz
exatamente uma semana que tirei meus pezinhos cansados de solo Brasileiro e
duas semanas que lá os coloquei. Ainda sinto um cheiro absurdo de felicidade e tenho
aquele sorriso bobo de quem encontrou um pudim na geladeira que é difícil
descrever. Sabe aquela festa borboleteana estomacal antes do primeiro encontro?
Sabe aquela nuvem eterna ao caminhar depois do primeiro beijo? Sabe? Estou com
essa sensação. Eu podia dizer que é pura consequência do sushi, do sorvete, do café,
do xis coração, dos bolinhos de batata, picanha mal passada, feijão preto,
pastel, churrasco de ovelha, polentinha frita, torta de sorvete, goiabada,
costela, pudim, sucão de maracujá ou daquele caqui fresquinho no fim de tarde
de Itapuã. Mas comida eu tenho aqui. Comida, bebida, diversão e amigos.
O que não
tenho aqui são todas as pessoas que fizeram um esforço pra ir me dar um upa
(mesmo aqueles que não conseguiram) porque entendem que há certos laços que são
eternos, imutáveis, intermináveis e infinitamente lindos. Eu tenho, mas não os
tenho ali, naquele Portinho nem sempre Alegre, naquele calor que faz senegalês
se apavorar, naqueles lugares que a gente tá cansado de ir mas nunca muda. Eu tenho
lembranças e memórias e histórias de todas as cidades que eu venho chamando de home, mas eu não tenho a mágica porto
alegrense por aqui.
Tomar uma
cerveja no fim da noite sentada na calçada da Oswaldo Aranha falando sobre a
vida, os sonhos que se foram e aqueles que a gente tá tentando que fiquem é algo
que eu só poderia ter numa das melhores semanas que já vivi na vida.
Volto cansada,
pobre e gorda. Volto inchada de calor e de tudo que chorei por saber que mesmo
longe, mesmo distante, mesmo não fazendo mais parte daquele dia-a-dia, eu nunca
deixarei de ter um cantinho na vida de quem eu amo.
Obrigada,
tu.
Obrigada
mesmo.
Não há
uma sequência de números ímpares que não me deixa feliz.
Terça, 07 de Janeiro, 21h, Irlanda.
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