Moça, vou querer dois
burgers vegetarianos, uma coca e um energético, por favor.
[ pra contextualizar: aqui eles têm palavras além das
proparoxítonas. De trás pra frente, nós temos até a terceira sílaba tônica -
tipo meu nome, saca? Mas em inglês existe até quarta. Então, para falar vegetable
(pra quem não entendeu: a sílaba principal é VE), eu tenho que falar devagar
porque é difícil - pelo menos pra mim, pode rir, to NEI ai ]
Volto pra mesa contente com meu pedido, afinal hoje é uma
noite cheia de um sábado lindo pra balada e eu estou só me alimentando e
bebendo Monster (vamos combinar que se é pra beber refri, que seja um refri
punk, né?).
~ que cara é essa?
Veio toda se rindo até aqui..
~ estava pensando que
fazia muito tempo que não saia num sábado de noite só pra comer, sem pedir
cerveja, vinho ou qualquer coisa com álcool..
Conversa vai, email vem, eis que chega o garçom com nosso
pedido!
Eba, to morrendo de foooo.....me,
TCHÊ! MAAASSS QUE QUÉÉ ISSO???
A esperta e bem humorada da atendente do balcão (só pode ser
brasileira) me mandou um burguer normal, de bife de carne de boi!! Huuu
autêntico naco de cadáver 100% britânico ou o caralho a quatro da vaca da
vizinha escocesa. Desculpa o palavreado de baixo calão, mas existe uma
pequenina diferença entre BEEF e VEGETABLE
(lembra da sílaba tônica?) ou só eu que percebo isso?
Passado o primeiro espanto, penso: tá no inferno, flor, beija o capeta e pede um cigarrinho.
Vamos lá, não envergonha teu país carnívoro das
churrasqueadas dominicais!
E como boa gaúcha que sou, resolvi comer o bifão de carne legitimamente
escocesa moída, no formato de um alfajor gigante de três dedos de altura (bem
que podia ser um pedaço gigantesco de chocolate suíço, hein?).
Estou numa cidade diferente, num país diferente, num
continente diferente, com uma cultura completamente diferente, não posso me
permitir continuar sendo igual. A vida ganha mais vida quando tu se desprende
das velhas amarras e vive ela de forma diferente.
~ olha, vou eu te
contar que talvez faça uns dez anos que não como bife. Que estranho! Não é
ruim, mas não tem gosto de carne de verdade.
Comi pão, bife, cebola roxa, molho de tomate, alface,
mostarda, 3 saches de pimenta preta, batatinhas e uma lata de energético. Sim,
eu sei que o energético é de beber, não precisa comentar.
Enquanto tu ficas ai imaginando eu comendo um bife quase do
meu tamanho, vou dar uma pausa e já volto. Tá dando um clipe do Guns no Rock in
Rio de 1991 e PQP, galero! Como eu gosto dessa banda! Vê ai comigo!
Bem, depois de comer, beber e ver besteiras internéticas, resolvemos
voltar pra casa. Moro na vila e tem busão só até meia noite: ou vamos agora pro
fim da linha ou só amanhã de manhã. Já na primeira quadra, começo a repensar
minhas escolhas de vida. Na metade do caminho, me questiono porque ainda não planejei
a herança que deixarei. Na parada de ônibus, não consigo explicar em inglês pra
espanhola que mora comigo a dor que estou sentindo já que nem respirar nem
pensar estão mais na minha alçada de vida.
Eu já jantei massa à bolonhesa e sanduiche de presunto e
ovo.
Eu já almocei um prato típico escocês que é uma batata no
forno com haggis, aka, o bucho da ovelha moído e cozido.
Eu já comi bacon, feijão, ovo mexido, pão torrado e morcela
(morcilha para quem mora na cidade grande, black pudim pra quem é from UK) às
8h num café da manhã.
Por que um bifinho (se bem que prefiro Danoninho) me fez
isso, Déls?
Pois agora, 01:15 da madrugada, mais de duas horas depois de
comer metade de uma coxa de um maldito boi escocês genuíno, estou na cama, com
o estômago em pedra, lendo, escrevendo, ouvindo alguns momentos históricos de
shows do Roquenrio e revendo aquela história de vida nova e diferente.
Faço uma lista dos motivos que me fizeram não comer carne
mais. Mentalmente marco [OK] em todos e penso: se eu acordar amanhã, faço um testamento e vou maneirar nessa bobice de
ser diferente. Juro!
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