20140107

[ nothing...just everything ]

Domingo, 22 de dezembro, 22h Irlanda, 2 graus.
A mala estava pronta desde quinta. Dormi pouco pois meu bus era às 2h da matina. Dois, dois, dois, dois: não tinha como dar nada errado. Estava há uns 5 ou 7 dias sem dormir direito. Só pensando, planejando e escondendo de todo mundo os turbilhões vulcânicos de sentimentos que faziam festa dentro de mim. Foi uma semana difícil essa pré-natal (quase um filho, sim). Corre prum lado, arruma do outro, chora ali na esquina, pega ônibus de madrugada pra Dublin, arruma mala trancada no quarto, muda os planos sem avisar ninguém. Como se isso não fosse comum pra mim, mas não exagera, né, florzinha? Então chego, depois de 46 horas de voos e escalas e esperas e não banhos e check ins & outs e livros lidos e filmes vistos e músicas ouvidas e carrega bagagem pra todo lado e comida cara e dormidas esparsas e espumantes nas alturas e gente feia e taxista que quer me enganar e gente no ponto de informação que não sabe dar informação e aventuras na ilha do Doutor Manhattan (who watch the watchmen, man?) e trova no onibusinho louco com a tia nova-iorquina maluca que quando jovem fez a mesma coisa insana que eu mas ali no Panamá e histórias de aeroporto e análise socioculturalpsicológica de seres humanos e UFA! até entrar no clássico táxi branco com detalhes azuis, pedir a Teixeira e ouvir o parceiro do ponto gritando pro meu motora depois que sentei no banco do carona: que sorte essa hein, meu velho?! Baita Natal! Tchê, tu não imagina como!

Terça, 24 de dezembro, 22h, Brasil, 27 graus.
Cheguei mega clichê propaganda do Zaffari style com direito a gritos no portão, falta de palavras e sobra de choros. Em menos de 15 minutos, alguns abraços já fizeram valer a pena todo e cada um dos 165,600  segundos desde que saí de casa até chegar em casa.  O objetivo da vida é a jornada, já dizia algum carequinha maneiro nos idos de um dos séculos passados que nunca passou dois dias viajando só pra passar o Natal com a família.
Hoje faz exatamente uma semana que tirei meus pezinhos cansados de solo Brasileiro e duas semanas que lá os coloquei. Ainda sinto um cheiro absurdo de felicidade e tenho aquele sorriso bobo de quem encontrou um pudim na geladeira que é difícil descrever. Sabe aquela festa borboleteana estomacal antes do primeiro encontro? Sabe aquela nuvem eterna ao caminhar depois do primeiro beijo? Sabe? Estou com essa sensação. Eu podia dizer que é pura consequência do sushi, do sorvete, do café, do xis coração, dos bolinhos de batata, picanha mal passada, feijão preto, pastel, churrasco de ovelha, polentinha frita, torta de sorvete, goiabada, costela, pudim, sucão de maracujá ou daquele caqui fresquinho no fim de tarde de Itapuã. Mas comida eu tenho aqui. Comida, bebida, diversão e amigos.
O que não tenho aqui são todas as pessoas que fizeram um esforço pra ir me dar um upa (mesmo aqueles que não conseguiram) porque entendem que há certos laços que são eternos, imutáveis, intermináveis e infinitamente lindos. Eu tenho, mas não os tenho ali, naquele Portinho nem sempre Alegre, naquele calor que faz senegalês se apavorar, naqueles lugares que a gente tá cansado de ir mas nunca muda. Eu tenho lembranças e memórias e histórias de todas as cidades que eu venho chamando de home, mas eu não tenho a mágica porto alegrense por aqui.  
Tomar uma cerveja no fim da noite sentada na calçada da Oswaldo Aranha falando sobre a vida, os sonhos que se foram e aqueles que a gente tá tentando que fiquem é algo que eu só poderia ter numa das melhores semanas que já vivi na vida.
Volto cansada, pobre e gorda. Volto inchada de calor e de tudo que chorei por saber que mesmo longe, mesmo distante, mesmo não fazendo mais parte daquele dia-a-dia, eu nunca deixarei de ter um cantinho na vida de quem eu amo.

Obrigada, tu.
Obrigada mesmo.

Não há uma sequência de números ímpares que não me deixa feliz.
Terça, 07 de Janeiro, 21h, Irlanda.

20130424

.we'll need you to build a castle.

Há diversos tipos de mudanças.
Há mudanças das boas, das planejadas, daquelas desejadas há longos períodos de tempos.
Há uma certa mudança que até ela acontecer tu mesmo mudou tanto que a mudança em si nem é mais tão mudança. É resultado.
Sabe aquelas mudanças internas de estado de espírito enquanto tu muda a vida?
São aquelas mudanças calmas como as fases da lua para a maré cheia.

Mas há, sim, tipos e tipinhos de mudanças.
E há aquele certo tipo de mudança que vem para arrasar tua vida.
Há aquela mundaça que vem pra bagunçar tua estabilidade.
Ela simplesmente corre como ventania destruindo toda paz que encontra pela frente.
É aquela mudança inesperada, aquela que chega sem pedir permissão nem avisar.
Sabe aquela mundaça que invade tua casa, senta no sofá e espera um café passado?
Há um certo tipo de mudança que te obriga a mudar mesmo quando tu quer temperança.
Tu está naquele dia ensolarado de primavera e então, eis que não mais do que de repente, a mudança te liga e diz: É agora, babe!
Ela não te dá chance de mudar. Ela te chuta. Ela te espanca. Ela te muda sem nem perguntar.
Ela molda teu novo caminho antes mesmo que tu pense em caminhar.

Esta, meu amor, é a mudança de Shiva.
É a mudança da destruição.
É a mudança da devastação.
Esta mudaça é aquela que não deixa rastros. Deixa marcas profundas de unhas nas paredes na vã tentativa de permanecer no mesmo lugar.
E esta mudaça, babe, é aquela que força teus olhos se abrirem a todas as mudanças que tu deixaria passar.
São essas doloridas mudança as que tu realmente precisa na tua vida.
Shiva, babe, só destrói o velho hábito para construir um novo.
Shiva só destrói tua casa para que tu possa olhar as estrelas.
É dessa abrupta mudança violenta e inesperada que surge, sempre, o mais lindo e valoroso sorriso no final do dia.
E quando muda teu mundo, meu bem, tu já pode chamá-la mundança.

20130316

It's easier when I am alone but, I get so lonely without you.


Depois de algum tempo, chega aquele dia crucial que tu resolve subir um passo no relacionamento.
Tu entende que já passou um certo tempo dos pequenos descobrimentos e que as vidas, que estão seguindo esses caminhos paralelos, podem ser um pouco mais entrelaçadas.
Dai, por insegurança mesmo, tu passa uns dias treinando todas aquelas coisas que tu sempre quis dizer mas não disse porque ainda não era o momento devido, não era o tempo correto, não era a lua certa de compartilhar tua história assim, tão abertamente assim tão subtamente.
Não era.
Ainda não é.
Mas tu faz que seja por que tu quer que seja agora.
Internamente tu coloca um ponto final no meio da frase e resolve ser poeta da própria vida.
Repete tua própria história mil vezes, em diversas cores, diferentes contextos e milhares de olhares, como se tu quisesse te desvendar pra poder te explicar melhor.
Revive todos os momentos importantes que fermentaram essa característica tão exclusivamente tua.
Relembra cada exato segundo que as maiores cicatrizes da tua história se rasgaram na tua pele.
Repensa todas tuas incertas escolhas que te fizeram chegar até aqui.
Reedita cenas pornograficamente censuradas e sentimentos evitados.
Então lá vai tu seguir esse trilho, vai pra luta da vida com tua vida sem escudos.
Entra numa guerra que tu não quer ganhar.
Entra numa guerra que tu quer compartilhar.
E em menos de cinco minutos tu lembra que há certas coisas que não precisam ser ditas.
Ou porque são irrelevantes ou porque são tão relevantes que já não fazem mais nenhuma diferença.
No amor, na dor e na guerra, a história que se carrega é só apenas mais uma história que se carrega.

Saudade.

20130203

Há coisas que não se resumem.


São exatamente 22 horas no andar de baixo do puteiro da Scotch House, Scotch Quay, Waterford, República da Irlanda, Europa, Mundo. Acendi uma vela para meus Orixás e fiz um chá com leite pra não esquecer que estou do lado da terra da Rainha.
Se fosse filho, este post estaria no tempo certo de nascer. Faz 9 meses que não ponho meus dedos loucos nesse blog. E sim, tenho mil desculpas para isso. E sim, dentre essas desculpas, algumas são verdades um tanto difíceis de assumir.
Mas né? Quem é que veio aqui me ler pra saber de coisas ruins? Ninguém!
Eu rodei uns mundos por ai e vim parar aqui, na quinta cidade mais populosa da Irlanda. Na cidade mais antiga, o primeiro porto construído pelos ruivos vikings barbudos. A cidade ensolarada do sudeste irlandes que foi fundada aproximadamente 600 anos antes da terra Brazilis ser descoberta 'por acaso' pelo Cristovinho e sua trupe.
E sim, tem um bordel no andar de cima do meu apartamento! Eu e meu flatmate achávamos que os vizinhos eram ninfomaníacos até descorbrirmos a verdade. O mais engraçado de tudo é que nunca vi as moças nos corredores! Acho que é tipo um puteiro russo com escravas brancas sexuais sequestradas na América do Sul. Mas não vou me meter nessas tretas ai. Melhor ter a máfia russa como vizinha do que como inimiga.

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Bem, eu comecei a escrever este post há uma semana e hoje (domingo de grenal) continuo, depois de ter procrastinado o dia todo escrevendo atrasadamente um monte de emails resumindo minha vida por aqui. Um deles, o último, será copiado, retocado e publicado para maiores (e menores) esclarecimentos. 



Tô ainda engrenando na vida de estudos de novo, meu final de ano foi foda! Tipo, passava 12 horas na biblioteca! Loucura geral e total na Ilha Verde da magia! Tô ainda aperfeiçoando o inglês e não tô 100% fluente! Mas estou melhor a cada dia e feliz com o que sei. Se pegar tudo que estudei na minha vida inteira, desde colégio, uni e cursinhos aleatórios, nao dá metade do que estou estudando por aqui - generalmente falando!! Estou sofrendo por falta de emprego, falta de grana, falta de paixões avassaladores, mas estou contente por estar sendo responsável (na maioria das vezes) na facul, estar aprendendo a economizar de verdade e por não estar perdendo tempo com cara mané. Faço comida regularmente, bebo regularmente, me exercito regularmente, medito regularmente e faço merda esporadicamente. Às vezes me canso por minha vida estar tão boring, mas acho que isso é ser adulto, né? Ainda tenho crises existenciais com marketing/ publicidade, comigo mesma, com meu futuro e com meu passado. Ainda tenho dúvidas sobre o que fui, o que quero e o que farei de agora em diante. 
Mas nunca estive tão certa de muitas coisas do que fui, do que quero e do que farei de agora para sempre.Estou feliz com as mudanças internas que costumam refletir na cor do meu cabelo. Sempre gostei de trocar de roupa, de pele, de ser camaleoa. Mas como a vida não é só sorrisos ou orgulhos loucos, estou triste também. 
Estou triste por acordar sem gente espalhada pelo chão da minha sala. Estou triste por não ter minha família nos almoços de domingo. Estou triste por não poder tomar um sucão na lanchera. Estou triste por não poder ir ao estádio quarta-feira 21h45 e sofrer vendo um empate mirrado com o Vasco ou Avaí. Estou triste por não ver a vitória certa do Celtics contra tudo e contra todos. Estou triste por não poder ir no pub da esquina onde conheço até o marido da irmã do cantor das segundas-feiras. Estou triste por não ser aquela amiga que é chamada na madrugada pra um conselho amoroso. Estou triste por não conhecer nenhum sinuqueiro de plantão. Estou triste por esse minúsculo mundo ser tão grande e por ver que a distância às vezes não é dominuida pela internet. 
Estou triste de saudade, duma saudade que dói no peito e faz cósquinha no nariz. Mas sabe? Essa tristeza me alegra (e muito) no escurinho da noite. Por que no final das contas eu não estou triste de verdade. Só estou saudosa de umas certas felicidades que estão ali na Escócia, na França, na Suiça, no Brazil e no Rio Grande do Sul e que ainda não estão por aqui. 
Mas uma das coisas que eu aprendi nessas andanças pelo mundo é ter paciência, sabe? Essas pequenas felicidades virão. Aqui ou na próxima cidade, não importa. O importante é que elas virão. E eu nunca gostei do estático, babe, e nunca gostarei.  O que seria da vida se todos os momentos fossem alegres e se todas as rosas fossem vermelhas? Talvez seria essa vida adulta boring e sem graça onde não valorizamos aqueles pequenitos prazeres do amor e da amizade que fazem a gente sorrir sem nenhum motivo aparente. Ou talvez seria aquela vida onde tu não tem tempo de ver nuvens de coração no caminho de volta pra casa.





20120402

Un sueño de los Mares del Sur.

Um chá.
Um jazz.
Um computador.
Uma paixão.
Uma saudade.
Um friozinho na barriga.

Uma semana.

Hoje começa a saga dos últimos momentos da minha longa ida ao desconhecido.
Tirando todo o lado romântico saudosista do texto, é só mais uma carta de despedida.
É só mais um adeus.
Dos muitos que dei nesses últimos meses. Nove pra falar de números.
Olhando pra trás, parecem 9 dias. Pelo tamanho da saudade, parecem 9 anos.

E tudo parece que foi ontem.

Parece que foi ontem que achei que o mundo era pequeno. 
Parece que foi ontem que não deixei meus pais verem minhas lágrimas no aeroporto.
Parece que foi ontem que engoli um misto de medo, nervosismo, ansiedade, um embrulho no peito e uma festa de borboletas no estômago ao embarcar na viagem mais longa já feita por uma flor.
Parece que foi ontem que cheguei em Glasgow e o taxista foi conversando comigo todo o caminho e a única coisa que eu entendi foi 'Angelina Jolie e Brad Pitt estão aqui'.
Parece que foi ontem que entrei no Toolboth e uma gordinha simpática veio me chamar pra sentar com suas amigas e eu recusei por que não sabia falar inglês.
Parece que foi ontem que não tive onde morar e chorei pela primeira vez no canto do quarto de tristeza .
Parece que foi ontem que fiz meu primeiro amigo. E o segundo, o quinto e o décimo sétimo.
Parece que foi ontem que me odiei profundamente os espanhóis. Depois os franceses e depois os ingleses.
Parece que foi ontem que aprendi amar os espanhóis. Depois os franceses, mas nunca os ingleses.
E parece que foi ontem que achei que o mundo era enorme.
Parece que foi ontem que comprei uma capa de chuva de sapo infantil e passeei pelo interior da Escócia sem medo do ridículo.
Parece que foi ontem que eu me vesti de bruxa e tentei enfeitiçar a saudade mas acabei enfeitiçando a dor.
Parece que foi ontem que me apaixonei e achei que meus planos iam mudar assustadoramente.
Parece que foi ontem que me desapaixonei porque no fundo nenhum plano havia mudado.
Parece que foi ontem que reencontrei uma amiga que parecia que não via desde antes de ontem.
E parece que foi ontem que meus planos resolveram se mudar sem me perguntar.
Parece que foi ontem que chorei, no canto da sala, mais uma vez, de tristeza.
Parece que foi ontem que achei que o mundo era injusto sem entender que o mundo só me dá o que eu peço.
Parece que foi ontem que um novo caminho se desenhou perto de mim e eu descobri uma parte de mim que não sabia que realmente existia.
Parece que foi ontem que me apaixonei de novo.
Parece que foi ontem que dancei como se ninguém me olhasse.
Parece que foi ontem que meditei, recebi massagem tântrica, cura xamânica e enlouqueci sem uma gota de droga nenhuma.
Parece que foi ontem que comecei a preferir visitar mosteiros do que bares.
Parece que foi ontem que senti a dor da despedida.
Parece que foi ontem que entendi que o ontem estava acabando.
E parece que foi ontem que percebi que o mundo é grande o suficiente pra me fazer ir mas pequeno o bastante pra me fazer voltar.

Estou indo de volta pra casa.
E parece que está amanhecendo o amanhã.

20120301

EU CORAÇÃO BCN

Então os planos mudaram. Outra vez.
O que era pra ser um ano, virou seis meses.
O que era pra ser um complemento, virou quebra.
O que era pra ser sonho, virou realidade.

A regra é simples: não se apaixone, guria. Mas a regra (como sempre) já era.

Completei três semanas de Barcelona e tenho que admitir que essa cidade é incrível. Arquitetura, paisagens, opções culturais e gastronômicas. Diversidade. Diversidade, multiplicidade, pluralidade, cidade.
No início, meu primo e namorada riam de mim quando eu dizia que tinha me perdido.
~ O que tu fez hoje, Márgara?
~ Ahh eu tentei ir no Parque Guell e me perdi. Acabei achando o Museu de Arte da Catalúnia e uma padaria marroquina.

Mas acho que depois eles entenderam que uma das melhores coisas pra se fazer aqui é se perder. É se perder nas vielinhas da Ciutat Vella e achar uma casa de chá no Born. É se perder indo pra praia e achar um antigo estádio de touradas. É se perder na rua paralela de casa e achar um hospital desenhado por Gaudí. É se perder e achar o que tu não sabia que procuravas.
Barcelona tem me feito isso. Tem me mostrado alguns caminhos novos, diferentes, loucos, trabalhosos. Tem me mostrado caminhos esquecidos, postos de lado, escondidos ou até mesmo aqueles que eu apenas deixei de trilhar. Barcelona é mágica pura. Não, não tem um cara tirando coelho da cartola em cada esquina. E não, não vi duendes com gorros verdes nem fadas vieram me jogar pózinhos brilhantes que me façam voar.
É uma sensação muito louca, estranha e maravilhosa sair a caminhar sem saber o que vai encontrar. Esses dias encontrei comigo mesma, sentada na beira da praia, lendo sobre fotografia e ouvindo Nina Simone. Fechei meus olhos e tive uma conversa séria sobre esses caminhos tortos. Guapa, tá na hora de parar de te perder de mim. Decidimos ir no bairro Gótico tomar uma caña para aprofundarmos o assunto. Sempre é bom sentar consigo mesma pra um papo. Conversamos, trocamos sorrisos, telefones e disfarçamos o rímel borrado no banheiro. Fomos pra casa juntas. Há tempos que não fazíamos isso.
Na manhã seguinte, recebi um email de uma amiga que amo que acabava assim:

Óh, aproveita o mundo aí e volta. D´us fez a gente nascer em determinado lugar não por acaso, ué! Que história é essa de ficar mudando o destino, brincando de D´us? É aqui que estão tuas raízes, tua família e teus amigos. 


Foi bem num momento que tenho pensado muito sobre as coincidências da vida. E certamente, isso não foi uma simples coincidência. As coisas, babe, não acontecem por acaso. Não é por acaso que os planos dão errado. Não é por acaso que os planos dão certo. Não é nada por acaso. É tudo uma conspiração divina e mágica como resposta ao que tu mesmo perguntou. Ação. Reação. Ação de novo. Reação de novo. E tchê, não tô falando que o barbudo lá em cima, sentou em seu troninho voador nas nuvens de algoodão, bateu um papo com Gsus tomando vinho e decidiu que tu ia passar mal com a nega maluca estragada que tava na geladeira. Muito menos que as três velhinhas cegas largaram o mate pra tecer tua certeza momentânea de trair a mulher que tu amava. Não. E tu sabe muito bem disso.

No entanto, falarei sobre isso outro dia. Preciso ir pra rua, pro sol, pra areia, pra grama, pra vida. Ando preferindo sentar na praça ou na praia pra ler, escrever e me ouvir. Mesas, cadeiras, copos quebradiços e olhares barulhentos tem me incomodado um pouco. Talvez seja porque preciso de mais espaço para mim. Talvez tenha enjoado do sorriso fácil do balcão. Talvez porque tenha descoberto um caminho mais fácil de me encontrar. Talvez e talvez não.


Há muito caminho pela frente.
Ainda tenho muito onde me perder.
E quem sabe um dia eu consiga me achar.

20120104

C'est la via, mon cheri.

Ter um mapa de Paris sem rabiscos, amassos e rasgos é ter um mapa de Paris.
Ter um mapa de Paris amassado, rasgado, riscado, sujo e dobrado nos lugares errados é ter vivido um pouquinho de Paris.

E cá estou eu sozinha no trem, com minhas palavras desconexas em francês (afinal abajour, petit pois e dèjá vu não fazem sentido juntos) para a cidade mais romantica (e mais suja e mais turística) da Europa. Claro que escolho os caminhos fáceis e as coisas óbvias mas o importante é ter o que fazer. Sempre fui independente mas sempre adorei ter companhia para partilhar minha independência. É um tanto chato no fim do dia apenas contar das maravilhosas coisas que tu fez. Bom mesmo é jantar lembranças conjuntas e saborear as descobertas na sobremesa.
Tenho um MP3 na bolsa. Posso me isolar no meu mundinho fechando os portões dos headphones. Posso vive um filme com trilha sonora particular. Posso descobrir músicas novas e criar minha lembrança sonora parisiense. E posso ouvir conversas alheias, sotaques diferentes, brigas ou declarações que nunca entenderei. Tens 33 segundo para adivinhar minha opção para a viagem de trem.

Primeira parada: Cimetière du Père Lachaise. É sempre bom ver que a morte chega para todos e lembrar de valorizar a vida sempre mais. (Confesso, fui lá trocar umas palavrinhas com Balzac e pedir pra ele atualizar aquela mulher de 30).
Segunda parada: Montmartre. A locação de uma das cenas clássicas underground mais pop do cinema atual  e de uma das imagens mais conhecidas da cultura pop depois da latinha de sopa de tomate (Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain não foi feito em uma praça de mentirinha e Le Chat Noir não é só um gatinho maneiro)
Terceira e última parada: Pigalle. O bairro das putas de luxo, das de não muito luxo, dos balaios Voluntários da Pátria e da pornografia francesa (Moulin Rouge não é um filme e Lojas do Aldo tem em tudo que é lugar).

E é lógico que um dia sozinha sem me perder e ser encontrada no meio da multidão por um gentil turco que me segurou pelo braço e me colocou na esquina de onde eu queria ir não ia ser normal. Pra completar, era só preciso entrar num butecão de gente estranha e educada que tenta ser simpática mas mesmo com esforço não consegue. Completei o pacote (lógico). Ser turista cansa mas eu sei que trabalhar cansa mais.
Acho que estou no meio de uma reunião da máfia mundial parisiense. É uma mistura louca de nacionalidades conversando no balcão num entra e sai do bar. Francês, árabe, italiano, russo e até um pagodeiro da Bonja estão discutindo (ou brigando ou só falando de futebol) aqui perto de mim. Não me sinto em casa mesmo tendo um quê de buteco da esquina.
Saio a caminhar e vou no bar roquenrol que fui com umas amigas outro dia.
The french girl doesn't know how to open the door (like me). 
The waitresses asked about my friend. My GIRL friend. Rá! Eu tenho um faro pra gays! It's crazy!
É foda ter que se preocupar com o horário dos outros. Deveria ser proibido proibir. E deveria ser obrigatório ter consideração pelos outros. Estou aqui me divertindo num bar legal, com luz baixa e som bom. Nem vou colocar a parte da cerveja barata por que dai é humilhar geral. E achar tudo isso no bairrinho Amélie Poulin é muito maneiro.
A vida sem graça é para os fracos. Levanta a bunda da cadeira e vai rebolar por ai. Não dói.
E sim, eu achei o melhor bar do universo montmartreano. E não é (de novo) pela cerveja da casa honestíssima, pela decoração totalmente amazing, pela garçonete mega simpática que fala inglês, pelo banheiro limpo e cheio de posteres de festas, pelo roquenrol pegado na medida certa ou pela localização no meio da zona das putas e ao lado do cenário de um filme lindo.
É pela minha felicidade por estar em Paris e pela primeira vez sentar e conversar (comigo mesma, tudo bem) dos meus olhares e das minhas constatações sem comparar com nenhuma parte do universo.
É aquele mapa que está sendo mais uma vez rasgado, amassado e rabiscado. É a vida real que está sendo escrita (ou virgulada) nesse momento. Finalmente me sinto pronta pra ir ali naquele ponto final que colocaram no meu capítulo e chutá-lo para outras páginas.
O livro não acabou, babe. E te prepara: é uma trilogia.



Paris, segundo dia do primeiro mês do décimo segundo ano do segundo milênio - 1.2.12 

20111214

Eu tenho vergonha do jeitinho brasileiro!

Jeitinho tem tradução pra inglês ver. Acha que é mentira? Olha aqui então!

Pois  vou te contar, tchê! Mais de uma vez eu me deparei com vergonha de ser brasileira.
E não é porque todo mundo acha estranho (mas melhor nem comentar) que eu não sou mulata, alta, gostosa, ando semi-nua e entro nos lugares sambando. Não, não é por isso mesmo.
O meu problema é com o jeitinho brasileiro mesmo. Sabe?
Minha questão é saber como vou explicar pro casal francês que self-payment (sim, caixa de supermercado sem a mocinha com maquiagem mal feita e coque do Zaffari) nunca funcionaria no Brasil. Um local onde tu passa o código de barras dos teus produtos, coloca-os numa sacola, paga (com cartão ou dinheiro) tudo que tu colocou na sacolinha e sai? No Brasil? Xuxu, acho que estamos no caminho errado!
Como explicar que o Brasil é maior que quase toda a Europa junto e não um pedacinho da Espanha onde dançam salsa? É, eu falo portugues, tchê!
E como explicar pro meu amigo suíço que o salário mínimo no Brasil é 100 euros (e que tem gente que sobreVIVE com isso?!) contrapondo com os 3000 euros no país dele? Ahh mas no Brasil, deve ser que nem na Suiça, existe o mínimo mas todo mundo ganha mais! Não, babe. País inteiro ganha isso.
Como explicar pra menina de 14 anos que estudou favelas brasileiras na escola que não é porque as favelas são ilegais que o governo não ajuda? Como explicar pra ela que a ilegalidade das favelas é o menor de todos os problemas enfrentados? Como explicar que, no fundo, é tudo uma questão de perspectiva e que se tu (teoricamente) dá água, luz, colégios, postos de saúde e policiamento, o local não pode ser considerado ilegal. E se o fosse, por que mantê-los lá?
Ok, até eu me perco onde começa essa história, desculpa. Imagina explicar pra adolescente escocesa, que tem um telefone que vale mais que meu computador de trabalho, que a vida na favela é bem pior que ela imagina depois da aula. Pior, gata, um pouco pior do que esse pior que tu imaginou.
É complicado tentar resumir o Brasil sem apelar pro futebol, samba, caipirinha e verão eterno.

Moro em Dennistoun, um bairro não muito rico, razoavelmente perto do centro. Moro numa das avenidas principais, parada de ônibus na frente do prédio, vizinhança tranquila, cheio de cabeleleiros, brechós beneficentes e lochinhas paquistanesas (isso será descrito em outro capitulo, em breve, prometo). Da minha rua pra cima, em aproximadamente dez quadras, a zona é cabulosa. Sem comércio, com pombais enormes e um solitário caminhão de sorvete passando. Só faltou aquela bolona de palha que rola nos filmes de faroeste pra eu achar que tava numa terra sem lei.
Quando falo que moro aqui, muita gente fica meio ressabiada e pergunta se não acho muito perigoso. É uma das piores partes da cidade, creio eu. E sim, nas ruas e nos ônibus sempre encontro muitos NEDs (non educated delinquents) e eles não me parecem boas pessoas pra puxar um papo às 3h da madrugada numa rua deserta (tá, tá, tá! Ninguém é boa pessoa pra puxar assunto no meio da madruga, eu sei!). São os hooligans escoceses, uma gangue foda, perigosa e mal encarada que prefere roubar, matar, bater, beber, gritar, esfaquear e morar perto de mim, no meu bairro. Carai, mano! Perigo a vista?!

[ABRE
Pequeno adendo estatístico
Glasgow é conhecida como a capital  mais violenta do Reino Unido, com seus quase 600 mil habitantes, tem praticamente um milhão a menos do que Porto Alegre. Ok, pra análises essa comparação não vai dar certo! A capital gaúcha tem quase 3 vezes o número de habitantes da capital escocesa! Vou pegar todo o país dos caras de saia, tá? Ahhh (mas alguém vai dizer) vai comparar um país com uma capital nem tão grande do Brasil? Lógico que a Escócia vai perder!
Bem, segundo uma reportagem veiculada no site do governo escoces (vê aqui), em 2010-11, houveram noventa e sete assassinatos por aqui. Sim, 97. Num ano inteirinho. Num país inteirinho. Com 5 vezes a população da capital amada e adorada dos gaúchos.
Segundo o Correio do Povo, somente Porto Alegre (sozinha? Sim, sem Viamão ou Gravataí) em 2010 teve quinhentos e dezoito mortes (matadas, não morridas). É, 518. Num só ano. Numa só cidade. Na minha cidade, por sinal.
É, velho, a Escócia perdeu afú! Alvorada, a (pequenina) cidade sem lei, com seus 220 mil habitantes, teve 85 mortes contra 59 em Glasgow, a (enorme) megalópolis econômica.
Quem quiser ler mais sobre as estatísticas brasucas, recomendo essa matéria do Sul 21 que na real só descobri depois de acabar o post!)
FECHA]

Daí me perguntam se eu não acho perigoso morar em Dennistoun, perto dos NEDs (lembra deles, lá em cima? Aqueles caras que eu não ia conversar nem chamar pruma cerveja)? Não, tchê, tu não tem noção do que é perigo!
E dai, me ajuda aqui! Como é que vou explicar que o Brasil não é tão lindo como parece para alguém que acha que 97 assassinatos por ano é uma estatística absurda para um local menor do que o meu amado Rio Grande do Sul?
Como vou contar tudo o que os políticos no meu país fazem com meu povo?
Como explicar que tem milhares de pessoas morrendo de fome, crianças sem roupa, mães sem água, famílias sem casa, trabalhadores sem dinheiro por causa do JEITINHO BRASILEIRO?

Mas Márgara, por que ninguém faz nada pra acabar com a corrupção?


SIMPLESMENTE POR QUE NÃO CONSEGUIMOS!
Muitos tentam, se esforçam mas sempre esbarram no cara da frente da fila dando um jeitinho. Ou no bar. Ou no pedágio. Ou no colégio do filho. Ou no ônibus. Ou na blitz. Ou no estádio. Ou na lojinha da esquina. Ou em todo o lugar. Em todo o país.
E claro, conheço muita gente boa e honesta fazendo sua parte, um pouquinho, sem jeitinho, mas com muito jeitinho. Aquela coisa da gota dágua pra salvar o mundo? Faço, fazemos, fazem. Todos fazem. Todos tentam transformar um pouquinho o país que vivemos, as crianças que criamos, nos exemplos que damos.
E é pouco, amigo europeu. Sabe porquê? Porque o Brasil é um país enorme, cheio de culturas diferentes, paisagens lindas, mulheres maravilhosas, homens deslumbrantes, praias exuberantes, florestas e cachoeiras fabulosas, e muita gente bonita, elegante e sincera.
Dai chega a parte triste, que é disvirtuar o assunto quando eu não acho palavras pra fazer essa gente entender que o Brasil não é bonito por natureza. Ele só tem uma natureza bonita.

E agora pode me chamar do que quiser: mal amada, recalcada, mal agradecida, ignorante, puta, vadia, vendida, louca, fazida, cheia, deslumbrada, cadela, feia, boba e chata.
Sou. Sou tudo isso e muito mais.
Sou gaúcha. Sou brasileira. Sou sulamericana.
Sou apaixonada pelo meu país, pelo meu estado e pela minha gente.
Mas só quando tu tens que explicar o inexplicável que tu percebe que nem tudo são flores.
Sou gaúcha e brasileira e não me envergonho da minha nacionalidade.
Eu só me envergonho realmente do jeitino brasileiro de destruir o nosso país.

Só isso. Me ajuda a explicar?

20111119

bobices [ 08 ]

Das pequeninas felicidades da nova vida:

Proprietária do flat veio agora com o engenheiro ver banheiro e teto que serão reformados (hmmm isso me lembra alguma coisa..). Ela tem um dos sotaques mais glaswegianos que eu conheço por aqui: muito rápido, carregado, cheio de gírias e de palavras comidas. Certo que se fosse brasileira, seria gaúcha do bomfa nascida em Beinto.
Entendo 65% da conversa dos dois e mais de 85% quando ela fala só comigo!
Pode achar baixo o índice, mas da primeira vez que a encontrei, se consegui entender 17% de tudo que ela falou foi muito!
Obrigada, cursinho de inglês cheio de gente estranha dessas festas esquisitas!

bobices [ 07 ]

Vou no super comprar vinho pra festinha. O guardinha me comprimenta duas vezes. Achei que é porque estou cantando e dançando enquanto escolho a melhor uva (Merlot chileno é a pedida!). Vou pagar e a mulher do caixa fala alguma coisa ininteligível:

~ Desculpa, não entendi.
~ Identidade, por favor.
~ Tá brincando né?
~ Não.

Ah tá que a tia do caixa quer comprovante de idade. Tá de saca, né????

~ Sério mesmo?
~ Sim, tem identidade?
~ Só tenho minha identidade brasileira, pode ser?
~ Sim, pode.

Cato na minha carteira, entrego pra ela  e ouço um "OH GOD!" e um sorrisinho.

~ Tu não sabe o quanto me fez feliz hoje!

Saio mais dançante, mas cantante e mais sorridente do super.
Obrigada, tia do super!