20120104

C'est la via, mon cheri.

Ter um mapa de Paris sem rabiscos, amassos e rasgos é ter um mapa de Paris.
Ter um mapa de Paris amassado, rasgado, riscado, sujo e dobrado nos lugares errados é ter vivido um pouquinho de Paris.

E cá estou eu sozinha no trem, com minhas palavras desconexas em francês (afinal abajour, petit pois e dèjá vu não fazem sentido juntos) para a cidade mais romantica (e mais suja e mais turística) da Europa. Claro que escolho os caminhos fáceis e as coisas óbvias mas o importante é ter o que fazer. Sempre fui independente mas sempre adorei ter companhia para partilhar minha independência. É um tanto chato no fim do dia apenas contar das maravilhosas coisas que tu fez. Bom mesmo é jantar lembranças conjuntas e saborear as descobertas na sobremesa.
Tenho um MP3 na bolsa. Posso me isolar no meu mundinho fechando os portões dos headphones. Posso vive um filme com trilha sonora particular. Posso descobrir músicas novas e criar minha lembrança sonora parisiense. E posso ouvir conversas alheias, sotaques diferentes, brigas ou declarações que nunca entenderei. Tens 33 segundo para adivinhar minha opção para a viagem de trem.

Primeira parada: Cimetière du Père Lachaise. É sempre bom ver que a morte chega para todos e lembrar de valorizar a vida sempre mais. (Confesso, fui lá trocar umas palavrinhas com Balzac e pedir pra ele atualizar aquela mulher de 30).
Segunda parada: Montmartre. A locação de uma das cenas clássicas underground mais pop do cinema atual  e de uma das imagens mais conhecidas da cultura pop depois da latinha de sopa de tomate (Le Fabuleux Destin d'Amélie Poulain não foi feito em uma praça de mentirinha e Le Chat Noir não é só um gatinho maneiro)
Terceira e última parada: Pigalle. O bairro das putas de luxo, das de não muito luxo, dos balaios Voluntários da Pátria e da pornografia francesa (Moulin Rouge não é um filme e Lojas do Aldo tem em tudo que é lugar).

E é lógico que um dia sozinha sem me perder e ser encontrada no meio da multidão por um gentil turco que me segurou pelo braço e me colocou na esquina de onde eu queria ir não ia ser normal. Pra completar, era só preciso entrar num butecão de gente estranha e educada que tenta ser simpática mas mesmo com esforço não consegue. Completei o pacote (lógico). Ser turista cansa mas eu sei que trabalhar cansa mais.
Acho que estou no meio de uma reunião da máfia mundial parisiense. É uma mistura louca de nacionalidades conversando no balcão num entra e sai do bar. Francês, árabe, italiano, russo e até um pagodeiro da Bonja estão discutindo (ou brigando ou só falando de futebol) aqui perto de mim. Não me sinto em casa mesmo tendo um quê de buteco da esquina.
Saio a caminhar e vou no bar roquenrol que fui com umas amigas outro dia.
The french girl doesn't know how to open the door (like me). 
The waitresses asked about my friend. My GIRL friend. Rá! Eu tenho um faro pra gays! It's crazy!
É foda ter que se preocupar com o horário dos outros. Deveria ser proibido proibir. E deveria ser obrigatório ter consideração pelos outros. Estou aqui me divertindo num bar legal, com luz baixa e som bom. Nem vou colocar a parte da cerveja barata por que dai é humilhar geral. E achar tudo isso no bairrinho Amélie Poulin é muito maneiro.
A vida sem graça é para os fracos. Levanta a bunda da cadeira e vai rebolar por ai. Não dói.
E sim, eu achei o melhor bar do universo montmartreano. E não é (de novo) pela cerveja da casa honestíssima, pela decoração totalmente amazing, pela garçonete mega simpática que fala inglês, pelo banheiro limpo e cheio de posteres de festas, pelo roquenrol pegado na medida certa ou pela localização no meio da zona das putas e ao lado do cenário de um filme lindo.
É pela minha felicidade por estar em Paris e pela primeira vez sentar e conversar (comigo mesma, tudo bem) dos meus olhares e das minhas constatações sem comparar com nenhuma parte do universo.
É aquele mapa que está sendo mais uma vez rasgado, amassado e rabiscado. É a vida real que está sendo escrita (ou virgulada) nesse momento. Finalmente me sinto pronta pra ir ali naquele ponto final que colocaram no meu capítulo e chutá-lo para outras páginas.
O livro não acabou, babe. E te prepara: é uma trilogia.



Paris, segundo dia do primeiro mês do décimo segundo ano do segundo milênio - 1.2.12