20111214

Eu tenho vergonha do jeitinho brasileiro!

Jeitinho tem tradução pra inglês ver. Acha que é mentira? Olha aqui então!

Pois  vou te contar, tchê! Mais de uma vez eu me deparei com vergonha de ser brasileira.
E não é porque todo mundo acha estranho (mas melhor nem comentar) que eu não sou mulata, alta, gostosa, ando semi-nua e entro nos lugares sambando. Não, não é por isso mesmo.
O meu problema é com o jeitinho brasileiro mesmo. Sabe?
Minha questão é saber como vou explicar pro casal francês que self-payment (sim, caixa de supermercado sem a mocinha com maquiagem mal feita e coque do Zaffari) nunca funcionaria no Brasil. Um local onde tu passa o código de barras dos teus produtos, coloca-os numa sacola, paga (com cartão ou dinheiro) tudo que tu colocou na sacolinha e sai? No Brasil? Xuxu, acho que estamos no caminho errado!
Como explicar que o Brasil é maior que quase toda a Europa junto e não um pedacinho da Espanha onde dançam salsa? É, eu falo portugues, tchê!
E como explicar pro meu amigo suíço que o salário mínimo no Brasil é 100 euros (e que tem gente que sobreVIVE com isso?!) contrapondo com os 3000 euros no país dele? Ahh mas no Brasil, deve ser que nem na Suiça, existe o mínimo mas todo mundo ganha mais! Não, babe. País inteiro ganha isso.
Como explicar pra menina de 14 anos que estudou favelas brasileiras na escola que não é porque as favelas são ilegais que o governo não ajuda? Como explicar pra ela que a ilegalidade das favelas é o menor de todos os problemas enfrentados? Como explicar que, no fundo, é tudo uma questão de perspectiva e que se tu (teoricamente) dá água, luz, colégios, postos de saúde e policiamento, o local não pode ser considerado ilegal. E se o fosse, por que mantê-los lá?
Ok, até eu me perco onde começa essa história, desculpa. Imagina explicar pra adolescente escocesa, que tem um telefone que vale mais que meu computador de trabalho, que a vida na favela é bem pior que ela imagina depois da aula. Pior, gata, um pouco pior do que esse pior que tu imaginou.
É complicado tentar resumir o Brasil sem apelar pro futebol, samba, caipirinha e verão eterno.

Moro em Dennistoun, um bairro não muito rico, razoavelmente perto do centro. Moro numa das avenidas principais, parada de ônibus na frente do prédio, vizinhança tranquila, cheio de cabeleleiros, brechós beneficentes e lochinhas paquistanesas (isso será descrito em outro capitulo, em breve, prometo). Da minha rua pra cima, em aproximadamente dez quadras, a zona é cabulosa. Sem comércio, com pombais enormes e um solitário caminhão de sorvete passando. Só faltou aquela bolona de palha que rola nos filmes de faroeste pra eu achar que tava numa terra sem lei.
Quando falo que moro aqui, muita gente fica meio ressabiada e pergunta se não acho muito perigoso. É uma das piores partes da cidade, creio eu. E sim, nas ruas e nos ônibus sempre encontro muitos NEDs (non educated delinquents) e eles não me parecem boas pessoas pra puxar um papo às 3h da madrugada numa rua deserta (tá, tá, tá! Ninguém é boa pessoa pra puxar assunto no meio da madruga, eu sei!). São os hooligans escoceses, uma gangue foda, perigosa e mal encarada que prefere roubar, matar, bater, beber, gritar, esfaquear e morar perto de mim, no meu bairro. Carai, mano! Perigo a vista?!

[ABRE
Pequeno adendo estatístico
Glasgow é conhecida como a capital  mais violenta do Reino Unido, com seus quase 600 mil habitantes, tem praticamente um milhão a menos do que Porto Alegre. Ok, pra análises essa comparação não vai dar certo! A capital gaúcha tem quase 3 vezes o número de habitantes da capital escocesa! Vou pegar todo o país dos caras de saia, tá? Ahhh (mas alguém vai dizer) vai comparar um país com uma capital nem tão grande do Brasil? Lógico que a Escócia vai perder!
Bem, segundo uma reportagem veiculada no site do governo escoces (vê aqui), em 2010-11, houveram noventa e sete assassinatos por aqui. Sim, 97. Num ano inteirinho. Num país inteirinho. Com 5 vezes a população da capital amada e adorada dos gaúchos.
Segundo o Correio do Povo, somente Porto Alegre (sozinha? Sim, sem Viamão ou Gravataí) em 2010 teve quinhentos e dezoito mortes (matadas, não morridas). É, 518. Num só ano. Numa só cidade. Na minha cidade, por sinal.
É, velho, a Escócia perdeu afú! Alvorada, a (pequenina) cidade sem lei, com seus 220 mil habitantes, teve 85 mortes contra 59 em Glasgow, a (enorme) megalópolis econômica.
Quem quiser ler mais sobre as estatísticas brasucas, recomendo essa matéria do Sul 21 que na real só descobri depois de acabar o post!)
FECHA]

Daí me perguntam se eu não acho perigoso morar em Dennistoun, perto dos NEDs (lembra deles, lá em cima? Aqueles caras que eu não ia conversar nem chamar pruma cerveja)? Não, tchê, tu não tem noção do que é perigo!
E dai, me ajuda aqui! Como é que vou explicar que o Brasil não é tão lindo como parece para alguém que acha que 97 assassinatos por ano é uma estatística absurda para um local menor do que o meu amado Rio Grande do Sul?
Como vou contar tudo o que os políticos no meu país fazem com meu povo?
Como explicar que tem milhares de pessoas morrendo de fome, crianças sem roupa, mães sem água, famílias sem casa, trabalhadores sem dinheiro por causa do JEITINHO BRASILEIRO?

Mas Márgara, por que ninguém faz nada pra acabar com a corrupção?


SIMPLESMENTE POR QUE NÃO CONSEGUIMOS!
Muitos tentam, se esforçam mas sempre esbarram no cara da frente da fila dando um jeitinho. Ou no bar. Ou no pedágio. Ou no colégio do filho. Ou no ônibus. Ou na blitz. Ou no estádio. Ou na lojinha da esquina. Ou em todo o lugar. Em todo o país.
E claro, conheço muita gente boa e honesta fazendo sua parte, um pouquinho, sem jeitinho, mas com muito jeitinho. Aquela coisa da gota dágua pra salvar o mundo? Faço, fazemos, fazem. Todos fazem. Todos tentam transformar um pouquinho o país que vivemos, as crianças que criamos, nos exemplos que damos.
E é pouco, amigo europeu. Sabe porquê? Porque o Brasil é um país enorme, cheio de culturas diferentes, paisagens lindas, mulheres maravilhosas, homens deslumbrantes, praias exuberantes, florestas e cachoeiras fabulosas, e muita gente bonita, elegante e sincera.
Dai chega a parte triste, que é disvirtuar o assunto quando eu não acho palavras pra fazer essa gente entender que o Brasil não é bonito por natureza. Ele só tem uma natureza bonita.

E agora pode me chamar do que quiser: mal amada, recalcada, mal agradecida, ignorante, puta, vadia, vendida, louca, fazida, cheia, deslumbrada, cadela, feia, boba e chata.
Sou. Sou tudo isso e muito mais.
Sou gaúcha. Sou brasileira. Sou sulamericana.
Sou apaixonada pelo meu país, pelo meu estado e pela minha gente.
Mas só quando tu tens que explicar o inexplicável que tu percebe que nem tudo são flores.
Sou gaúcha e brasileira e não me envergonho da minha nacionalidade.
Eu só me envergonho realmente do jeitino brasileiro de destruir o nosso país.

Só isso. Me ajuda a explicar?